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FLORESTAMENTO NA METADE SUL: UMA POUPANÇA QUE SE TORNOU UM PROBLEMA NAS PROPRIEDADES

Produtores sentiram-se lesados após desistência da Fibria ao segundo ciclo, prometido em contrato pela então Votorantim, e encerramento do projeto poupança florestal em 2019.

Há 17 anos, entre 2006 e 2008, a chegada da Votorantim ao Estado, mais especificamente à Metade do Sul do Rio Grande do Sul, causou uma euforia entre os pequenos produtores gaúchos, especialmente pela promessa de um programa, o poupança florestal, que lhes garantiria uma remuneração pela madeira produzida nos próximos 15 anos. Foi o caso do pecuarista jaguarense Adílio Colvara, hoje com 88 anos, e que destinou 30 hectares de sua propriedade, localizada a 40 quilômetros do centro da cidade, na divisa com Arroio Grande e Herval e, antes dedicada à pecuária de corte, para o plantio do eucalipto, que seria destinado à extração da celulose.

Dionísio Colvara, filho do produtor, relata a situação atual da família, que nunca mais conseguiu utilizar a terra para outro fim e hoje vive humildemente, apenas dos rendimentos dos valores pagos pela então Fibria, a título de “indenização”do segundo ciclo. “Nós plantamos eucalipto no ano de 2006, com a ideia de fazer duas florestas, a cada sete anos uma”, conta. A frustração veio a partir do sétimo ano, com a não instalação da prometida fábrica de celulose, e a prorrogação do primeiro ciclo para 10,5 anos e posterior encerramento do contrato.

Ele conta que a plantação foi cortada, restando apenas os troncos, em média com 50 centímetros de altura, impedindo a reutilização da área para qualquer outro tipo de atividade. “Meu pai, na época com 73 anos, se baseou na propaganda da Votorantim do ‘poupança florestal’ como o próprio nome dizia, para ter uma renda para o futuro, na velhice”. Ele até admite que houve algum resultado, no entanto, o dinheiro recebido não seria suficiente para ‘limpar o campo’. “Ele ficou com um pouco do dinheiro, mas sem campo”, ressalta.

Segundo Colvara, não há equipamento na região para realizar a “destoca” e o que tem, no caso uma escavadeira, é caro. De acordo com ele, a esperança é que pelo menos a empresa realize a limpeza do campo. “Na época, o que eles fizeram foi matar o tronco, que mesmo assim brotou, então colocaram duas vezes veneno (sic), mesmo assim houve rebrote. Virou mato o campo. Não tem como trabalhar”, ressalta. O dinheiro que ficou é para a sobrevivência do casal, pai e mãe, que têm 88 anos, atualmente, diz.

Em situação semelhante se encontram pelo menos outros cinco mil pequenos produtores, com áreas entre cinco e 50 hectares. “A lesão aos produtores se deu pela desistência do segundo ciclo, prometido em contrato pela Votorantim que, após ter sido vendida para a Aracruz, passando a ser chamada de Fibria, encerrou o projeto poupança florestal, promovendo aditivos chamados de ‘Termos de Pagamento e Quitação e Encerramento’, um aditivo contratual em que só era pago o primeiro ciclo se o produtor a exonerasse do segundo ciclo, uma atitude extremamente questionável sob o prisma da boa-fé”, ressalta o advogado Paulo Costa, da Campos Costa Advogados S.S, que assumiu a defesa dos direitos destes produtores.
Segundo ele, na época, a Fibria era a única empresa que promovia a “procura” do eucalipto, que era um produto cujo mercado estava em formação. “Com a desistência, pouquíssimos produtores prosseguiram com o projeto, pois não teriam para quem vender a floresta e nem como promover os cortes, uma vez que a CMPC, por exemplo, adquiriu todas as florestas privadas da própria Fibria e já possuía muitas áreas para atender à sua demanda”, ressalta.

Costa ressalta que recentemente conseguiram invalidar esse “termo” e obter o direito à indenização correspondente ao segundo ciclo e, também a um terceiro, considerando que a silvicultura, sob o aspecto econômico, e com laudos de engenheiro florestal qualificado, deve ter pelo menos três ciclos de sete anos, sob pena de não compensar o custo do comprometimento da terra. “A destoca e o empobrecimento do solo se constituem num ônus extremamente caro quando se migra de cultura, do eucalipto para a soja, por exemplo”, diz.

O prazo para que os produtores busquem seus direitos, segundo a jurisprudência é de dez anos, informa o advogado. Segundo ele, o início da contagem desse prazo se dá a partir da assinatura do “termo, ou da última aplicação do glifosato (decepa química) que a Fibria promoveu nas propriedades para que não houvesse a rebrota. “Tenho certeza de que muitos, ainda hoje, olham para suas propriedades e enxergam tocos robustos impedindo o uso da terra e causando grande tristeza”, salienta.

O procedimento à reparação desse direito se dá por meios judiciais, argumenta. “Amigavelmente, não houve conduta digna da Fibria para indenizar este segundo ciclo” diz Costa. “Ao contrário, com vistas a reduzir seus custos de corte e de transporte de madeira, impôs uma prorrogação do primeiro ciclo de sete para dez anos, aumentando significativamente o passivo radicular destas árvores que passavam a ter todos com cerne muito mais denso do que aos sete anos, uma das razões de um ciclo ser de sete anos”.

As primeiras decisões judiciais favoráveis aos produtores ocorreram em 2019, mas se destinaram a exigir da Fibria apenas o pagamento e corte da floresta, que ela restringia à assinatura do termo já referido, diz Costa. “Agora tivemos um decisão que abre espaço para que todos os produtores rurais, mesmo os que formaram o termo de encerramento, possam buscar a justa reparação deste caso”, afirma. Segundo o advogado, a intenção é formar uma associação para fazer frente coletiva na tutela desses produtores e obter, mais rapidamente, uma posição da Fibria.

As primeiras sentenças, que buscaram apenas exigir o cumprimento do corte e pagamento do primeiro ciclo, estão praticamente concluídas. As decisões recentes, que invalidaram os termos de encerramento para permitir ao produtor exigir a indenização do segundo ciclo estão para julgamento no Tribunal de Justiça do RS. Atualmente, a reparação, deve ser feita pela Suzano, empresa que se fundiu com a Fibria – resultado de outra fusão da Aracruz e Votorantim, empresa que originou os contratos, diz. “A Suzano assumiu toda a responsabilidade por esses contratos ao ‘adquirir’ a Fibria”, garante. Segundo ele, legalmente a Fibria tentou impor contra o produtor um documento irrevogável e irretratável. “Para muitos, isso era impossível reverter. No entanto, como estamos há muitos anos atuando nesse assunto desde 2016, encontramos um meio legal de restabelecer a Justiça, finaliza.

CONTRAPONTO:

A empresa Suzano Papel e Celulose, com sede em São Paulo, por meio de sua assessoria de Imprensa, informou que, referente a contratos firmados com produtores de Pelotas e região, o assunto é objeto de deliberação judicial e a companhia tem exercido seu regular direito de defesa nos respectivos processos. A empresa reforça, ainda, que não comenta detalhes de ações judiciais em andamento.

Em janeiro de 2019, após a aprovação de todos os órgãos reguladores nacionais e internacionais, as empresas Suzano Papel e Celulose e Fibria fundiram-se e a marca foi descontinuada. A Suzano emprega mais de 35 mil colaboradores em 11 unidades industriais e tem uma capacidade de produção de 11 milhões de toneladas/ano de celulose, a maior produtora mundial.

FONTE: Diário Popular